Plataforma de Fornecedores

Selecione um produto / serviço

Publicidade

Omolde > Notícias > Verdades inconvenientes

Gestão de Pessoas

Verdades inconvenientes

22 Dezembro 2021

Por diversas vezes, resultado de conversas informais com colegas de formação e amigos e também de leituras de partilhas na rede social LinkedIn, me deparei com realidades organizacionais que se observam em empresas de sectores e dimensões diferentes, de reputação à escala local, nacional e internacional e que convidam a uma reflexão. Tratam-se de situações que podem não ser intencionais e que refletem apenas a forma como as coisas são feitas em cada empresa, mas que é importante questionarmo-nos sobre as razões pelas quais ainda acontecem.


Decidi, por isso, expor as que mais frequentemente eram debatidas e optei por designá-las «verdades inconvenientes». Porquê? Porque embora se reconheça que ainda ocorrem, mencioná-las é quase como «pôr o dedo na ferida». Às vezes não convém, por ser desconfortável.


Vamos a isto?



Cultura não é o que a empresa acha ser, mas sim o que os colaboradores dizem que é

Perde-se a conta às empresas que, quer em páginas web, quer em redes sociais, anúncios de emprego, ou outros, apresentam uma descrição da sua cultura organizacional sem previamente terem realizado estudos de clima ou aplicado qualquer tipo de questionário de avaliação da satisfação dos colaboradores.


O que depois acontece é o que designo de uma cultura «Sim, mas». Exemplos:


Empresa: «Temos uma cultura de porta aberta ao feedback»

Colaboradores: «Sim, mas não totalmente aberta. É mais entreaberta e com um aviso na porta de 'Por favor, não incomodar'. Ou então só aceita o feedback que quer ouvir»


Empresa: «Gostamos e incentivamos ideias fora-da-caixa»

Colaboradores: «Sim, mas que não se afastem muito da caixa. Se forem exequíveis, mas muito disruptivas, são descartadas»


Empresa: «Apostamos na modernidade»

Colaboradores: «Sim, mas só nos equipamentos/tecnologias/instalações. Os processos internos continuam a ser tão burocráticos como há 20 anos»


E podia continuar.


Não importa o que a empresa diz ser. Se um colaborador diz que a sua experiência é diferente da que a empresa apresenta, é o suficiente para a descredibilizar e afastar potenciais colaboradores.



«Empresa confidencial» não é apelativo num anúncio de emprego

Na minha primeira experiência profissional, numa empresa de outsourcing, apoiei diversos processos de recrutamento e de vez em quando aparecia um ou outro em que deveríamos manter o anonimato da empresa cliente até uma fase posterior.


Foi algo que sempre me fez confusão e ainda hoje o vejo ser feito. Tenho uma questão: porquê? Nem as agências secretas o fazem. E são secretas.


Empresa confidencial, salário confidencial,... Os colaboradores também vão ter de chegar ao local de trabalho vendados e receber as suas tarefas numa pasta castanha com o carimbo «Top Secret»?


Valorizem a transparência.



«Salário compatível com a função» não é benefício. É um direito do colaborador

E aquelas vagas de emprego em que nos benefícios (ou "oferta") têm «salário compatível com a função»?


Recrutadores, salário compatível com a função ou com a experiência demonstrada é um direito básico do colaborador e claramente não será esse o «pegar ou largar» para um candidato submeter o seu CV.


Na secção «Benefícios» ou «O que temos para oferecer» exponham o que é realmente distintivo da vossa empresa, para que um potencial candidato vos escolha. Dão a possibilidade de trabalhar em horário flexível? Disponibilizam carro e/ou telefone? Dão mais dias de férias? Têm lounge rooms onde os colaboradores podem fazer as suas pausas? Têm protocolos com entidades externas (ex.: seguradoras, clínicas, ginásios, etc.) que garantam descontos aos colaboradores?


Não vão lá só com o pacote salarial. Muito menos se for «compatível com a função».



Há reuniões que podiam muito bem ter sido emails

Assistir a uma reunião apenas para receber indicações curtas ou dar um breve ponto de situação sobre uma determinada tarefa de um projeto. Quem nunca? No meu caso já me aconteceu inclusivamente ter de sair do edifício onde estava o meu escritório, porque a reunião, embora da mesma empresa, era noutras instalações. Leva ponto extra quem já participou em reuniões e saiu sem «próximos passos».


Há situações em que, sem dúvida, é necessário que as pessoas se reúnam. Refiro-me, por exemplo, a momentos de brainstorming, à apresentação de um projeto, ou quando o tema é sensível ou complexo. Briefings e pedidos de feedback e de pontos de situação não são motivos suficientes para convocar reuniões, sejam elas presenciais, por Zoom, Teams ou outro. Se também não tem uma agenda clara nem «próximos passos» definidos, a reunião não deve mesmo existir.


Tudo somado, o volume de horas passadas em reuniões desnecessárias acabará por se traduzir em tempo útil desperdiçado, pois as pessoas interrompem raciocínios e ritmos produtivos.


Em suma, antes de enviar convocatórias, reflita: «Esta reunião pode ser um email?»



Fazer horas extraordinárias não é sinónimo de comprometimento com a organização

Tão-pouco trabalhar mais significa trabalhar melhor. Mas a realidade é que, por vezes, até nos sentimos como que culpados por sermos pontuais à saída, mesmo quando também o somos à entrada. É quase como irmos a uma loja ou supermercado e sairmos sem compras. Parece ilegal, mas não é.


O problema é que ficar até mais tarde parece ser encorajado, por ser sinal de que os colaboradores vestem realmente a camisola e estão totalmente empenhados nos objetivos corporativos, o que é falacioso.


É preciso algo estar muito errado na forma como trabalhamos, para acharmos que é top producer quem fica a dar horas à empresa. Uma coisa é ficar mais tempo para acabar tarefas que escusam de ficar pendentes para o dia seguinte, ou quando há um projeto importante com prazos apertados. A primeira situação não leva assim tanto tempo a completar e a segunda não acontece todos os dias.


Horas extraordinárias não são comprometimento. São um passo para o burnout.



Jantares de Natal, atividades de teambuilding e demais ações sazonais não motivam as pessoas

São momentos que permitem descomprimir e promover a coesão do grupo, e só por isso já se revestem de grande importância para a dinâmica organizacional, mas só por si não levam a um boost de motivação. Por acaso, o que o(a) leva a acordar cheio de vontade para trabalhar é a perspetiva de poder participar em jogos de equipa uma ou duas vezes por ano ou de poder ir ao jantar de Natal da empresa?


O teambuilding é um investimento crucial, mas não chega.


As pessoas ficam onde são felizes e são felizes quando percebem que estão a crescer. Crescer no sentido de aquisição de conhecimentos e competências, de reconhecimento pelo seu trabalho e de progressão na carreira. Tudo isto num ambiente agradável, colaborativo e empático. Continuem a promover atividades de socialização, networking e cooperação. Continuem a organizar jantares corporativos. Mas garantam o restante também.


Estas verdades inconvenientes não se ficam por aqui. Há outras igualmente interessantes, sobre as quais devemos refletir e contribuir para uma alteração de paradigma. Mas, para já, podemos começar por debater estas.





Texto: Ana Timóteo (CEFAMOL)
Publicação: Revista Molde 131