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Entrevista

O Sector fala de... Indústria no Feminino

19 Abril 2022

Durante muitas décadas, elas mantiveram-se, discretamente, na retaguarda dos gestores das empresas de moldes, numa indústria tradicionalmente masculina. As mulheres dedicavam-se ao trabalho administrativo, assegurando a organização dos ‘papéis’, tratando das questões mais burocráticas. Passavam despercebidas num sector onde os protagonistas, fossem produtores ou os seus clientes, eram homens. Com o passar dos anos, o seu valor começou a ser reconhecido. Passaram a ocupar outros cargos, como a área comercial. Foram dando provas de profissionalismo e dedicação, ao mesmo tempo que começaram a integrar também os cursos mais técnicos ligados à indústria.

Começaram a deter conhecimento técnico e a integrar as equipas dos vários departamentos produtivos das empresas. Mas só recentemente começam a surgir, em maior quantidade, na liderança das organizações, defendendo a necessidade de criar estratégias empresariais, formativas e até políticas que tornem a indústria, e em particular a de moldes, mais atrativa à presença feminina.


Andreia Fortes (Moldegama), Cláudia Novo (Erofio), Guida Figueiredo (Carfi) e Sónia Calado (DRT) têm em comum o facto de integrarem a gestão das respetivas empresas. As quatro fazem parte, também, da Rede Mulher Líder, criada em 2016, pelo IAPMEI.


Apesar de hoje estarem na liderança, os seus percursos foram diferentes até aí chegarem. Enquanto Sónia Calado é administradora e fundadora da DRT, há 28 anos, as outras três são os rostos da nova geração na sucessão das empresas.


Sónia Calado conta ter entrado no ‘mundo dos moldes’ através daquilo que considera como “um ato de quase inconsciência da juventude”. Tinha então 23 anos e, juntamente com o marido, Valdemar Duarte, decidiu criar a empresa. “Ele tinha o conhecimento técnico, tinha os clientes. Mas não tinha conhecimento de gestão, nem da parte contabilística ou administrativa e eu estava no último ano do curso de gestão”, recorda. E assim começou o projeto que é, hoje, um grupo empresarial.


“Ser mulher naquelas funções era, na época, novidade no sector. E, aos 23 anos, era difícil conseguir transmitir confiança, quer junto dos fornecedores, quer sobretudo junto da banca. Ainda por cima, estávamos num sector de grande exigência que era a indústria automóvel. Mas evoluímos muito rápido e com o crescimento da empresa, deixei de notar isso. Para a indústria, deixámos de ser os miúdos que vinham brincar aos moldes e passámos a ser os profissionais que faziam bem”, relata. Mas, adianta, “ainda demorou algum tempo até deixar de sentir que, em muitas reuniões, fosse na empresa, fosse em instituições, era a única mulher no meio de dezenas de homens”. E hoje, apesar de não sentir isso, admite que se trata de um sector “maioritariamente masculino”.


Andreia Fortes diz ter chegado ao sector “por acaso”, há pouco mais de uma década. Não fazia parte dos seus planos ingressar na indústria de moldes, apesar de o pai ser o fundador de uma empresa. Engenheira Química, trabalhou alguns anos em Lisboa, como consultora. “O meu pai ia-me desafiando para os moldes, mas eu não me via nessa área. Até ao momento em que comecei a sentir-me frustrada com a não progressão da carreira onde estava e acabei por aceitar o desafio”, conta. Não foi de imediato para a administração. Durante dois anos, procurou inteirar-se da atividade e do sector. Em 2012, passou a fazer parte da sociedade.


“Acho que, de uma maneira geral, fui bem aceite pelas pessoas. O meu pai tinha algum receio que as pessoas me vissem como ‘filha do patrão’ e não como uma mais-valia, mas procurei dar provas do meu profissionalismo. E, à exceção de duas ou três pessoas, não senti que me vissem como sendo privilegiada. Acho que me aceitaram bem”, sustenta, sublinhando que “as pessoas, com a convivência do dia a dia, foram percebendo que estava para ajudar e para contribuir e não para dificultar a vida deles”. Apesar da parte produtiva ser quase exclusivamente constituída por homens, Andreia relata que, nos outros sectores, há muitas mulheres na organização. “Mas temos muita dificuldade em recrutar mulheres para a produção. Continuamos a receber muito mais currículos de rapazes do que de mulheres”, explica.


          Da esquerda para a direita: Andreia Fortes (Moldegama), Sónia Calado (DRT), Cláudia Novo (Erofio) e Guida Figueiredo (Carfi)


RESPONSABILIDADE

Já Cláudia Novo, considera que a sua ligação com a empresa existe desde sempre: “fui crescendo na empresa”. “Desde os 14 ou 15 anos que vou à empresa, com o meu pai. Sempre fui ajudar nas férias e senti que fazia parte”, conta. De tal forma que decidiu estudar em Leiria, para ir acompanhando o trabalho diário da empresa.


A sua integração foi, por isso, um processo muito natural. “Era uma empresa pequena e todas as ajudas eram muito importantes”. Passou por todas as áreas, mas sobretudo a financeira e também de gestão de pessoas e, dessa forma, desenvolveu o seu conhecimento sobre a atividade. Acabou por assumir o cargo de diretora financeira.


Entretanto, a empresa cresceu, surgiram outras áreas de negócio e entrou como sócia para a unidade de plásticos. E finalmente, passou a administradora das empresas do grupo.


Tendo entrado desta forma, Cláudia assegura nunca ter sentido nenhum tipo de reação mais hostil ou adversa à sua presença. “As pessoas sempre me conheceram na empresa”, diz. Mas admite ter ouvido, por vezes, a expressão ‘filha do dono da empresa’, encarando isso como “uma responsabilidade acrescida, uma vez que tinha de consolidar a imagem do meu pai”. “Talvez se fosse homem não tivesse de provar tanto, porque parece mais natural à indústria a sucessão ser assegurada por um homem”, afirma, considerando que “quando somos mulheres, temos, por vezes, de pôr o triplo das nossas capacidades nas funções para que confiem”.


“Há este estigma na nossa indústria. Temos os primeiros empresários que estão a fazer a passagem para a segunda geração, mas, se o sucessor é uma mulher, a sua competência é questionada. Quando o sucessor é homem sente-se menos isso”, afirma.


Guida Figueiredo sente de outra forma a questão da confiança na sucessão, talvez mais relacionada com a idade e experiência. “Não me parece que seja uma questão de género, mas de desconfiança por ser alguém mais jovem, com pouca experiência”, sustenta.


Começou a sua vida profissional na Carfi na área de recursos humanos, depois do curso de psicologia das organizações e do trabalho. “Foi bom ter começado por aí porque me permitiu conhecer todo o pessoal e a dinâmica da empresa”, conta, adiantando que, depois, caminhou naturalmente para outra área. “Como tinha alguma facilidade de comunicação e gostava da parte comercial, fui por aí. E aí senti que tinha de dar mais, de provar mais alguma coisa. Mas por uma questão de competência pessoal porque não tinha experiência técnica e, por isso, tive de complementá-la com outras valências para conseguir seguir a estratégia que defini, desde o princípio, e que tinha a ver com uma maior diversificação de clientes por áreas”, explica.


E adianta que, para si, “nunca foi uma questão de género, mas sim de capacidade de resposta. Por isso, fiz-me sempre acompanhar de pessoal mais técnico para assegurar a melhor resposta sempre que era preciso”. Passado algum tempo, acabou por integrar a administração do grupo empresarial, fundado pelo pai.


No seu entender, “a competência vê-se pela capacidade de comunicação com a equipa e a forma de alcançar os objetivos e não por uma questão de género ou de ser da primeira ou segunda geração da gestão”.




VISÃO

Para as quatro, não haverá uma ‘visão feminina’ a determinar decisões ou ações diferentes no que toca à gestão de uma empresa. Para Sónia Calado, é importante haver uma sinergia entre os líderes e trabalho de equipa. Cláudia Novo considera que as perspetivas, sejam femininas ou masculinas, têm de estar alinhadas com a estratégia da empresa.


Andreia Fortes defende que as mulheres “são um bocadinho mais racionais e até menos emocionais, enquanto os homens tendem a ‘explodir’ mais rapidamente quando estão em picos de stress”. Mas na sua opinião, “o mais importante são as características de cada pessoa, a forma como trata o outro, e isso não é uma questão de género”. Muitas vezes, exemplifica, “quem está na administração tem de procurar equilibrar as coisas e não deixar transparecer para as equipas o que está a acontecer nos bastidores”. Para si, o papel de quem gere é munir-se de condições para “conseguir montar as peças do puzzle”. Ou seja, não tem de saber fazer um molde para gerir uma empresa do sector. O fundamental é rodear-se de quem o saiba fazer. “Sei como se faz um molde, mas não sei discutir os detalhes técnicos de um projeto de moldes, mas isso não é fundamental para se gerir uma empresa de moldes”, salienta.


Cláudia Novo concorda. “Na empresa, temos as funções bem definidas. É importante ter pessoas de confiança nos departamentos. Dão-me a informação e isso é fundamental para ter o conhecimento para decidir”, explica.


Guida Figueiredo salienta que, “é preciso ter em conta que ser um bom técnico não significa, necessariamente, ser um bom gestor”. E recorda os casos de empresas que ficaram pelo caminho porque, apesar de excelentes técnicos, os seus fundadores não eram bons gestores. “E se estamos a atuar a nível de liderança, da gestão, isso é que conta: saber gerir”, sublinha, acrescentando que, depois, “temos de saber munir-nos do melhor, seja dos quadros técnicos, seja dos recursos humanos e sabê-los integrar bem para darem o melhor de si”. Ou seja, acentua, “independentemente do sector, a gestão acaba por ser similar na generalidade das empresas”.


Sónia Calado concorda. “Trabalho nisto há 28 anos, mas não sou uma técnica. Por isso, quando vou a uma reunião em que precise de suporte, levo um técnico comigo”, afirma, considerando que “para gerir, precisamos de conhecer o negócio, mas não do ponto de vista técnico. Para isso, temos lá pessoas que o fazem melhor do que nós”.


Apesar disso, todas acabaram por introduzir algumas alterações nas empresas que gerem. Novas áreas ou departamentos que, dizem, estarão ligadas à evolução natural dos negócios ou até a situações pontuais.


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Texto: Helena Silva
Publicação: Revista Molde, 133