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Estratégia & Negócios

David e Golias: Empreendedores versus Gigantes

10 Agosto 2023

A teoria da inovação, um pilar conceptual fundamental para a compreensão do desenvolvimento tecnológico e do progresso industrial, propõe uma visão intrigante sobre os ciclos de vida das tecnologias. Ao longo desses ciclos, observa-se uma oscilação na relevância entre pequenos empreendedores e grandes empresas, especialmente em relação à sua contribuição para a geração de inovação. Tal dinâmica espelha a contínua batalha entre David e Golias, agora encenada no palco da economia global.


Quando uma nova tecnologia surge, abre-se uma porta para que pequenos empreendedores avancem com uma visão de futuro audaciosa e inovadora. Estes empreendedores apostam na inovação de produto, exploratória e arquitetural, investindo em nichos emergentes com um potencial tremendo. No início do século XX, a Europa tinha centenas de fabricantes de automóveis. Nos anos 70 e 80, centenas de empresas apostavam em novos designs de microcomputadores e sistemas operativos. A diversidade e a ousadia desses pioneiros resultaram numa explosão de inovação.


Muitas vezes, as empresas estabelecidas - as Golias da nossa metáfora - tendem a ignorar essas tecnologias emergentes. Estas empresas estão tão concentradas em servir vastos segmentos de mercado com produtos e tecnologias já consolidados, e negligenciam o potencial revolucionário de novos desenvolvimentos. Isso explica, por exemplo, porque os grandes fabricantes de automóveis demoraram a perceber a relevância do nicho de carros elétricos, permitindo que a pequena Tesla, há cerca de 15 anos, se estabelecesse neste mercado com o lançamento do seu Roadster.


Este fenómeno, em que os gigantes da indústria subestimam a inovação disruptiva, foi notavelmente descrito pelo professor Clayton M. Christensen como o “Dilema do Inovador”. Esse dilema reflete a dificuldade que as empresas estabelecidas têm em se adaptar a novas realidades tecnológicas, muitas vezes levando à sua queda frente às empresas mais ágeis e inovadoras.


Conforme a tecnologia e o mercado amadurecem, a inovação torna-se menos exploratória e move-se em direção à consolidação de um design dominante. No sector automóvel, o Ford modelo T definiu o design há 115 anos; no sector de computadores, o IBM-PC fez o mesmo; e, mais recentemente, no sector de automóveis elétricos, o Tesla modelo S/3 assumiu este papel. Com o estabelecimento de um design dominante, a inovação torna-se mais focada em processos, procurando produzir mais barato e melhor. Neste ponto, muitas empresas menores não conseguem competir e desaparecem, fazendo com que a importância dos “pequenos” empreendedores, aqueles que começam "numa garagem", como Bill Gates ou Steve Jobs nos anos 80, se dissipe.


Porque será que as grandes empresas, com todos os seus recursos, frequentemente falham em aproveitar as oportunidades geradas pelas novas tecnologias? A Kodak, por exemplo, inventou a fotografia digital, mas foi incapaz de desenvolver competências nessa área. Muitas vezes, a resposta a esta pergunta está na inflexibilidade organizacional, na burocracia, na necessidade de servir aos clientes atuais, no investimento em processos antigos e na falta de capacidade para aprender novos 'truques'. Todos estes são fatores que as pequenas empresas, mais ágeis e adaptáveis, gerem melhor.


Este cenário leva a uma reflexão sobre o contexto que vivemos. O mundo atual, excessivamente concentrado em poucas grandes empresas e com uma regulação muitas vezes ineficaz, pode estar a restringir o surgimento e a prosperidade de pequenos empreendedores em novas ondas tecnológicas. O domínio contínuo e crescente de empresas como Microsoft e Apple, que expandem seus monopólios para áreas diversas, desde streaming até inteligência artificial, pode não ser positivo para o ecossistema de inovação. Tal hegemonia pode impedir que novas regiões realizem um “catching-up” económico, como é o caso de Portugal.


A indústria de moldes para plásticos fornece um exemplo vívido destas dinâmicas. Este é um sector com baixas barreiras à entrada, que levou a que a dominância em poucas empresas raramente tivesse acontecido (sobretudo, pela ausência de economias de escala). No entanto, nos últimos anos, a própria evolução da tecnologia tem levado a uma maior concentração neste setor.


É verdade que também vemos uma proliferação de empreendedores que usam tecnologias emergentes para desafiar os incumbentes. Novas tecnologias como impressão 3D, materiais de plástico sustentáveis, e automação avançada estão a redefinir o que é possível na indústria de moldes para plásticos. Empreendedores ousados usam essas tecnologias para criar moldes mais eficientes, sustentáveis e precisos, muitas vezes a um custo menor.


Alguma das empresas estabelecidas na indústria de moldes para plásticos, tal como os fabricantes de automóveis diante dos carros elétricos, podem mostrar-se relutantes na adoção destas novas tecnologias. Isso pode acontecer devido a vários fatores, como a necessidade de proteger os investimentos existentes em máquinas e processos de produção, a necessidade de servir aos clientes atuais, e a dificuldade de aprender e integrar novas tecnologias em operações existentes. É curioso, porque neste caso a tecnologia parece estar a favorecer quer um número de novas empresas, quer a concentração do mercado em empresas maiores (que são capazes de dominar as novas tecnologias). Será importante para as empresas estabelecidas mais “conservadoras” permanecerem abertas à inovação e adaptáveis, sob o risco de serem “comidas” pelas maiores que se tornam maiores, ou as novas que são mais inovadoras.


Enfim, a história de David e Golias na economia global continua a acontecer. Resta-nos observar se o futuro trará novos David's para enfrentar os Golias dos nossos tempos empresariais e, ao fazê-lo, talvez possamos aprender mais sobre o equilíbrio entre inovação, competição e regulação no mundo dos negócios.




Texto: Vítor Ferreira (Diretor Executivo da Startup Leiria e Docente no Politécnico de Leiria)