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Gestão de Pessoas

As empresas não conseguem atrair e manter talento. É por isto.

24 Fevereiro 2022

«Por que razão é que a minha empresa não consegue atrair e manter talento?» Esta é uma questão que muitos gestores se colocam e, na tentativa de os elucidar quanto ao leque de boas práticas que podem implementar para contrariar esta realidade, são realizadas várias conferências e seminários e publicados estudos, ebooks e guias gratuitos.


Ainda assim, o problema persiste. Como, se oferecemos kits de boas-vindas, organizamos atividades de teambuilding, pagamos bons salários e até damos o dia de aniversário dos colaboradores?


Assim à cabeça, lembro-me de nove motivos que o podem justificar e vou recorrer a exemplos práticos para os apresentar:


1 - Maria, a candidata que não consegue colocação

A Maria tem 20 e poucos anos e acabou recentemente o seu curso superior. Começa a sua procura de emprego em websites especializados e na rede social LinkedIn, para encontrar apenas algumas vagas de empresas confidenciais, ou de outras que oferecem um «salário compatível com a função/experiência demonstrada».

Envia, mesmo assim, o seu currículo e constata, desanimada, que as empresas nas quais «as pessoas estão em primeiro lugar», são também as que não lhe dão qualquer feedback às candidaturas. Outras não a contratam porque não tem experiência (e como a poderá ganhar se ninguém apostar nela?).


2 - Diogo e Henrique, os estagiários só no papel

O Diogo entrou na empresa em regime de estágio profissional. O Henrique começou com um estágio curricular e, posteriormente, passou a integrar um programa de estágio promovido pela mesma empresa. Nenhum deles acredita na ladainha «Contratamos caráter e treinamos habilidades», até porque não estão propriamente a aprender e a ganhar competências, que é o derradeiro objetivo de qualquer estágio. Não. A empresa certificou-se de que ambos já cumpriam os 'mínimos olímpicos' para as tarefas que iriam desempenhar e atribuiu-lhes responsabilidades como se se tratassem de colaboradores efetivos, mas sem ter de lhes pagar como tal.


3 - Francisco, o colaborador que se viu forçado a pedir o salário mais baixo para poder ser contratado

O Francisco tem consciência de que não foi selecionado por ser o mais graduado, competente ou promissor. Na verdade, ele conhece um dos outros candidatos à vaga e tem a certeza de que esse, sim, seria a pessoa mais indicada para o trabalho. Acontece, no entanto, que o Francisco jogou uma carta que tem vindo a ser muito comum: pediu o salário mais baixo. Contratado!


4 - Teresa, a colaboradora sem perspetivas de progressão na carreira

A Teresa leu o estudo “Diversidade & Inclusão – Retrato do Mercado de Trabalho em Portugal”*, realizado pela consultora de recrutamento Hays, e identificou-se totalmente.

É claramente competente, apresenta resultados e mais do que eficiente, é eficaz. Supervisiona dois profissionais juniores e ainda dá suporte à chefia. No entanto, ainda não lhe foi dada uma promoção, um aumento ou sequer uma perspetiva de progredir na sua carreira profissional. O superior hierárquico já por duas vezes foi substituído, mas continua a ser do género masculino. Continua sem poder ser um cargo ocupado por ela.

O conselho de administração alega que na empresa são todos iguais. A Teresa tem a certeza de que são todos iguais, mas uns são mais iguais do que outros.


5 - Joana, a colaboradora que não recebe formação profissional adequada

A Joana começou a aperceber-se de que as ações de formação que frequenta não seguem um plano estruturado. Começaram a parecer-lhe aleatórias quer em conteúdo, como em calendário, não indo ao encontro das suas expectativas ou necessidades profissionais concretas. Quando refletiu sobre o assunto, deu-se conta de que as ações assistidas apenas serviam para respeitar o número mínimo de horas de formação profissional que a lei laboral impõe, e não se relacionavam adequadamente com função que desempenha.


6 - Miguel, o colaborador que entrou em burnout

O Miguel lidera um departamento que, tendo em conta o volume de trabalho, deveria ser reforçado, mas a empresa não quer investir na contratação de mais recursos humanos.

Como tal, acumula funções, faz horas extraordinárias e ainda leva trabalho para casa. Tem filhos, mas não passa muito tempo com eles, porque tem emails para responder e trabalho para acabar aos fins-de-semana. Dorme pouco, com pouca qualidade, e já perdeu a conta aos cafés que bebe por dia. Quem corre por gosto, cansa-se, sim, e o Miguel está a deixar de gostar do que faz, porque está cansado das condições em que o faz.


7 - Hortênsia, a colaboradora que sofre de assédio moral

A Hortênsia tem fibromialgia, uma doença crónica que a faz sentir pontadas de dor em regiões específicas. Ela entregou um relatório diagnóstico na empresa, mas nem toda a gente compreende ou conhece esta patologia. Uma dessas pessoas é a sua chefia, que se convenceu de que quando ela abranda o ritmo de trabalho é porque quer «empatar» e, quando se apercebe que ela se vai ausentar para uma nova consulta da dor, lhe diz algo como «Outra consulta? Os médicos devem gostar de te ver lá». Para piorar a situação, ainda exerce pressão com tiradas como «Vamos ver até quando é que vais ter condições para continuares a trabalhar».

Esta atitude consiste em assédio moral e a chefia da Hortênsia garante que não existem outros colaboradores para testemunhar, tornando-se muito difícil de provar.


8 - Carlos, o colaborador perdido em burocracia

O Carlos, além de ter boas ideias é desenrascado, um autêntico MacGyver do escritório.

Ou pelo menos era, até a sua empresa ter sido adquirida por uma maior e assimilado os seus procedimentos. Agora, cada vez que toma qualquer tipo de iniciativa vê-se forçado a entrar numa entropia de emails com mais de uma linha de endereços em CC, ou, caso ligue para alguém numa tentativa de brevidade, o interlocutor responde-lhe que também está dependente de outras pessoas.

O Carlos neste momento já não sente vontade de ser criativo ou proativo, pois desanima com o processo inerente.


9 - Vasco, o colaborador que ainda tem muito para dar à empresa, mas que no fundo sente que o querem dispensar

O Vasco está na empresa desde praticamente o ano da sua fundação. Tem sido sempre um profissional exemplar, motivado e capaz de se adaptar à mudança. Mas vivemos num mundo cada vez mais acelerado e, por muito que se esforce, reconhece que a 'malta nova' acabada de sair de excelentes academias o ultrapassa num piscar de olhos. Depois lê "equipa jovem e dinâmica" replicada no website da empresa e nos anúncios de emprego. «Desde quando é que o dinamismo é exclusivo dos jovens?», pensa ele, entristecido.

Se um dia foi o maior defensor da marca para a qual trabalha, esse sentimento agora esmorece, por achar que não querem continuar a investir nele, muito embora ainda tenha muito para oferecer.



Voltando à questão inicial «Por que é que a minha empresa não consegue atrair e manter talento?», eu respondo da seguinte forma: porque é bem possível que trabalhar na sua empresa seja o equivalente corporativo de atravessar os nove círculos do inferno de Dante.


Está na altura de averiguar quais são e tomar medidas, pois se não resolver problemas estruturais, não são os kits de boas-vindas, os discursos emotivos e as prendas de Natal ou de aniversário que vão salvar a empresa de uma fuga de cérebros, ou que a vão tornar mais apelativa a potenciais candidatos.


Desenvolva uma estratégia de comunicação interna que apele aos colaboradores o seu honesto contributo no preenchimento de questionários regulares de satisfação, permitindo a opção de anonimato, senão a abstenção pode ser elevada (quem diz a verdade não merece castigo, mas as pessoas continuam a temer algum tipo de represália). Em complemento, pode utilizar outros recursos como caixas de sugestões e comentários em vários locais.


Depois, reúna gestores de topo, chefias intermédias e colaboradores em sessões de brainstorming, para que delas resultem ações claras, exequíveis e ajustadas às reais necessidades e expectativas.



* https://www.hays.pt/diversidade-de-genero



Texto: Ana Timóteo (CEFAMOL)
Publicação: Revista Molde 132